segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Tenho, nos ultimos dias, dedicado algum do meu tempo a perceber, e desta vez porque o consigo fazer conscientemente, como menosprezamos a capacidade que temos para fazer pequenas coisas. Imaginemos que amanhã, ao acordar, não somos capazes de lavar a cara. Ou de aquecer a nossa caneca do café matinal. Imaginemos mais ainda: que lavar o cabelo, calçar um par de sapatos, se tornou um verdadeiro desafio. Se déssemos maior valor à capacidade e destreza com que fazemos estas pequeninas coisas, seríamos pessoas melhores, menos prepotentes, menos gananciosas até talvez, quem sabe. Não temos, porque nem sequer paramos para pensar nisso, a noção do número de músculos que usamos para...andar. Andar, coisa que aprendemos com pouco mais do que meses de idade consegue tornar-se um acto louvável. Um passo, ou subir um degrau, consegue ser algo de que nos orgulhamos, com muitos mais anos de idade. Menosprezamos a capacidade involuntária e inconsciente que temos de vestir uma camisola. Apertar uns sapatos. Vestir umas calças. Lavar e escovar o cabelo.
Se pensássemos mais frequentemente, e com maior seriedade do que podemos perder de um dia para o seguinte, com certeza que tomaríamos decisões mais acertadas, ou pelo menos, mais pensadas.
Encontrei-me perante uma destas dificuldades. Num dia dava pulos e saltos de contente, e hoje luto comigo mesma para me levantar de uma cadeira. Esta impotência, esta falta de condição física, sem duvida faz-me pensar que tudo o resto em volta se torna...menor. Pequeno. Nada.
É a segunda vez que passo por semelhante desafio. E ninguém melhor do que eu para, na primeira pessoa, conseguir explicar o que é perder a consciência. Perder memórias dos outros e nada saber acerca de si mesmo. Não é fácil ter que reconstruir uma 'personalidade' baseada em duvidas, incertezas, e desconhecimento de si próprio. Morrer e renascer, na idade adulta, não é fácil; devo afirmar com muita certeza.
As dificuldades criadas por uma enfermidade, como é um 'avc' ou um 'aneurisma', onde tanto acerca de nós fica perdido, esquecido, e onde temos que apalpar um terreno incerto e movediço. Procurar no escuro aquilo que já não sabemos acerca de nós mesmos.
Sermos capazes de pegar numa escova, no chuveiro, e tratar de nós, é um grande feito!
Ser capaz de viver com verdade e fiel a algo que desconhecemos, isso sim, o verdadeiro desafio. Quase impensável.
E questionamos afinal: 'Como é perder a memória?' ; 'Como é não saber quem somos aos 25 anos?' 'Como é afinal ter que desenvolver nova personalidade, quando ela já existiu um dia'?
Pior: como é que as pessoas, exteriores a tudo isto conseguem olhar para nós? Olhar-nos-ão como uns completos falhados, quando na verdade deviam olhar-nos como a um herói de guerra?
Questiono-me eu agora: Devia eu sequer dar a mínima, a mais pequena e ínfima importância ao que pensam os outros?
Os que nunca conheceram o 'antes' mas julgam o 'depois'?
Tenho a certeza que não.
Tal como tenho a certeza de que, dentro de dias serei, de novo capaz de escovar o meu cabelo, tomar banho sozinha, e tendo coragem, calçar aqueles sapatos, difíceis de apertar, só...porque tenho que o fazer de cócoras. Mais nada. É esse o esforço.

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